Igreja Precisa de Alvará? Guia Completo para a Legalização Eclesiástica

Em nosso dia a dia na Zeke, muitos clientes têm nos procurado com dúvidas sobre a necessidade — ou não — de igrejas possuírem alvará de funcionamento da prefeitura, Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e outras autorizações.

A dúvida é compreensível, especialmente porque igrejas possuem natureza jurídica religiosa e gozam de imunidade tributária.

No entanto, essa imunidade não as exime das regras de segurança, urbanismo e funcionamento impostas pelos municípios e órgãos competentes.

Por isso decidimos preparar este artigo, para orientar ministérios, pastores e líderes e até mesmo contadores eclesiásticos sobre o que realmente é exigido e como funciona o processo.

Saber se a igreja precisa de alvará não apenas um detalhe burocrático, é uma questão essencial ligada à uma administração eclesiástica responsável.

Neste artigo, vamos descomplicar o processo e mostrar que a legalidade é um ato de cuidado com as pessoas, com o patrimônio e com a continuidade da missão.

Introdução

Uma definição que, particularmente, gosto de deixar claro é que “igrejas não são empresas”, entretanto, o nosso código civil as define como pessoas jurídicas de direito privado, atribuindo a elas, a partir disso, obrigações acessórias comuns as empresas.

Igreja não é Empresa

Encontramos essa definição no artigo 44, inciso IV do nosso Código Civil e o §1º do mesmo artigo assevera que:

É livre a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das mesmas; vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos necessários ao seu funcionamento.

Uma interpretação indevida do §1º leva muita gente a pensar, equivocadamente, que basta o registro em cartório dos estatutos e da ata de eleição e a retirada do CNPJ perante a Receita Federal para que a igreja possa funcionar legalmente.

Em nossos artigos temos escrito reiteradamente a condição tributária das igrejas, premiadas pelo instituto da imunidade, conforme Constituição Cidadã de 1988, artigo 150, inciso VI, alínea b.

Não deixo de chamar a atenção do leitor para não confundir isenção com imunidade, ambos têm valor legal, a isenção é passageira, efêmera, a imunidade vem da firme convicção do legislador constituinte, é perene.

Isenção x Imunidade

Quando falamos de isenção e imunidade, estamos lidando com algo que vai além de palavras jurídicas. Estamos falando de propósito, de reconhecimento e de valor.

Isenção x Imunidade

A isenção se parece com aquilo que é concedido por um tempo. É como um favor que alguém recebe, mas que pode ser retirado a qualquer momento.

Ela depende da decisão política, de leis que mudam, de contextos que passam. A isenção é válida, é legal, mas é passageira.

A imunidade, porém, carrega outro significado. Ela se aproxima daquilo que é reconhecido como essencial.

Não representa um favor, mas um entendimento de que algo cumpre um papel tão relevante que precisa ser protegido desde a sua raiz.

Portanto, a imunidade não é um privilégio, é um tipo de reconhecimento. Um reconhecimento de que a Igreja, ao cumprir seu chamado, serve à sociedade como um todo.

Onde o Estado muitas vezes não alcança, a igreja chega, através de sua liderança, membros e ministério.

Tributos, Impostos e Taxas

Para compreender corretamente os limites da imunidade constitucional das igrejas, é preciso olhar para o nosso sistema tributário com atenção e discernimento.

Vou trazer as informações em linguagens simples, com exemplos, evitando o juridiquês para que você possa entender com mais facilidade.

Vamos imaginar o nosso sistema tributário como uma grande família. O pai dessa família é o tributo, o gênero que reúne todas as formas de arrecadação previstas na Constituição.

Entre seus filhos estão os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria e as contribuições especiais, essas são as espécies de tributos. Assim, todo imposto é um tributo, mas nem todo tributo é um imposto.

A imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea b, da Constituição alcança apenas um desses filhos: Os impostos.

É sobre eles que recai a proteção constitucional concedida às igrejas, quando relacionados ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados à sua finalidade essencial.

Os demais filhos dessa família — como as taxas e outras espécies tributárias — não estão cobertos pela imunidade.

Elas surgem como contraprestação por um serviço específico do Estado e, por isso, podem ser legitimamente exigidas das igrejas.

Esse estudo é para você entender que a imunidade constitucional concedida as igrejas vedam a própria união, os estados, o distrito federal e os municípios de instituir impostos sobre suas atividades, patrimônio, serviços e renda.

E isso não se estende a cobrança de taxas, contribuições, etc., nem as isenta das demais obrigações tributárias e administrativas impostas pela própria união, estados e municípios, a imunidade aos impostos não é uma imunidade administrativa.

O Poder Constitucional Atribuído aos Municípios – Legislar e Fiscalizar

No cuidado com a vida em sociedade, a Constituição confiou aos municípios uma missão muito concreta: ordenar a cidade e proteger as pessoas que nela vivem e circulam.

Legislação Municipal

Por isso, cabe ao poder municipal legislar e fiscalizar questões ligadas à segurança, acessibilidade e conformidade urbana, conforme o artigo 30, inciso I e VIII.

Essas exigências não são apenas burocracia, mas trata-se de zelo. Todo espaço que recebe pessoas — templos, escolas, comércio, eventos — precisam oferecer condições mínimas de segurança, acesso digno e organização.

Trata-se de um cuidado com o próximo, especialmente com crianças, idosos e pessoas com deficiência, com as leis de zoneamento urbano, com o meio ambiente, com a acessibilidade e com a segurança pública em geral.

Assim, quando o município exige alvarás, vistorias ou adequações, ele não está interferindo na fé nem na missão da igreja.

Está cumprindo seu dever constitucional de proteger vidas e garantir que a cidade seja um espaço seguro, acessível e justo para todos, incluindo ai os espaços das pessoas jurídicas de direito privado.

Alvará de Funcionamento

O Alvará de Funcionamento é o ato administrativo pelo qual o município autoriza o exercício de determinada atividade em um local específico, após verificar o cumprimento das normas de segurança, acessibilidade e ordenamento urbano.

Não há um padrão único nacional. A Constituição Federal atribuiu aos municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, razão pela qual cada cidade define, em sua legislação própria, os critérios e exigências para a concessão e manutenção do alvará.

Em alguns estados, como São Paulo, o próprio ente estadual desenvolveu ferramentas para integrar e modernizar os procedimentos municipais, a exemplo do VRE | REDESIM.

Essa plataforma que permite aos municípios, de forma facultativa, aderirem a um sistema unificado para análise de viabilidade, emissão de inscrições municipais e apoio à concessão de alvarás.

Entendimento dos Tribunais

A jurisprudência consolidada entende que, embora a Constituição Federal garanta a liberdade religiosa e a imunidade tributária, isso não signigica que as igrejas estão isentas de cumprirem as normas urbanísticas, de segurança e de posturas municipais, que incluem a necessidade de alvará de localização e funcionamento.

Vários Tribunais de Justiça (como o TJ-SP e o TJ-DF) já julgaram inconstitucionais leis que tentavam dispensar a exigência de alvará para templos religiosos, argumentando que a competência para legislar sobre uso e ocupação do solo é dos municípios.

Veja a ementa de um dos julgados no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, que incluiu o parágrafo único ao art. 438 da Lei nº 2.402 de 07 de janeiro de 1999, dispondo sobre dispensa dos templos religiosos da apresentação de projeto específico para fins de obtenção de Alvará de Funcionamento. Inadmissibilidade. Desrespeito ao princípio do ordenamento urbanístico. Ocorrência. Inviável norma local excluindo as igrejas e templos religiosas de cumprimento das normas urbanísticas. Violação ao princípio da isonomia/igualdade/razoabilidade. Ofensa caracterizada. Ausência de justificativa razoável. Inadmissível distinção não prevista em legislação federal. Afronta a preceitos constitucionais (arts. 111, 144 e 180, I e V da Constituição Estadual). Procedente a ação.

Temos um jugado também do Tribunal de Justiça do Paraná, conforme abaixo:

TJ-PR – XXXXX20168160035 São José dos Pinhais

Ementa: APELAÇÃO CÍVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. IGREJA EM FUNCIONAMENTO SEM OS ALVARÁS DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. POLUIÇÃO SONORA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE PROIBIU O FUNCIONAMENTO DE FORMA IRREGULAR E CONDENOU OS RÉUS À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS.

A Procuradoria-Geral da República também já se manifestou nesse sentido.

Em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no Supremo Tribunal Federal, a PGR, questionou uma emenda à Constituição de Minas Gerais que dispensava igrejas da exigência de alvará e outras licenças.

No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que:

As igrejas, como qualquer outra pessoa jurídica ou estabelecimento que recebe público, devem seguir as normas municipais e estaduais relativas à segurança, saúde pública e zoneamento.

Veja a ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade onde atuou a PGR no Estado de Minas Gerais.

ADI 5696 / MG – MINAS GERAIS.AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES. Julgamento: 25/10/2019. Publicação: 11/11/2019. Órgão julgador: Tribunal Pleno

Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E URBANÍSTICO. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. EMENDA 44/2000 À CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DISPENSA DE EXIGÊNCIA DE ALVARÁ OU LICENCIAMENTO PARA O FUNCIONAMENTOS DE TEMPLOS RELIGIOSOS. PROIBIÇÃO DE LIMITAÇÕES DE CARÁTER GEOGRÁFICO À INSTALAÇÃO DE TEMPLOS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE POLÍTICA URBANA, ORDENAMENTO E OCUPAÇÃO DO SOLO. LEI FEDERAL 10.257/2001 E DIRETRIZES GERAIS DA POLÍTICA URBANA. ATRIBUIÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS MUNICIPAIS. AUTONOMIA MUNICIPAL. PODER DE POLÍCIA E RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA. Ação Direta julgada procedente.

Como podemos ver essa pauta já chegou ao Supremo Tribunal Federal e a decisão é no sentido de que as igrejas devem se adequar a legislação municipal, que regulamenta os passos para obter os alvarás de licença e funcionamento.

Alvará do Corpo de Bombeiros

Diferentemente do Alvará de Funcionamento, cuja regulamentação é municipal, o Alvará do Corpo de Bombeiros decorre de legislação estadual.

Alvará do Corpo de Bombeiros

Cada estado da federação possui normas próprias que disciplinam as medidas de prevenção e combate a incêndios, definindo critérios, procedimentos e exigências específicas para edificações e locais de reunião de público.

Apesar das diferenças entre os estados, todos compartilham um princípio comum: todo local onde circulam pessoas deve atender às normas de segurança contra incêndio e pânico.

As igrejas, por receberem fiéis regularmente e promoverem eventos com concentração de público, estão inseridas nesse contexto e, portanto, sujeitas à obtenção do respectivo alvará ou certificado emitido pelo Corpo de Bombeiros.

O objetivo do alvará é assegurar que o espaço possua rotas de fuga adequadas, sinalização, equipamentos de combate a incêndio e condições mínimas para evacuação segura em situações de emergência.

Outra coisa importante a salientar é que, na maioria das vezes, o Alvará de Funcionamento do Município só vai ser concedido após a vistoria e emissão do Alvará do Corpo de Bombeiros.

Igrejas Sem Alvará Municipal

Igrejas que funcionam sem a devida documentação estão sujeitas a sanções como multas, notificações e, em casos extremos, o fechamento (interdição) por parte das autoridades municipais ou por ordem judicial, especialmente se houver denúncias de irregularidades, como poluição sonora ou falta de segurança.

Benefícios Práticos de Estar Regularizado

Quando a igreja regulariza todos os alvarás está demonstrando a seriedade e boa gestão ministerial da instituição.

Benefícios da Gestão na Igreja

A regularidade traz segurança jurídica à entidade, demonstra organização e revela cuidado com as pessoas que ali congregam, fortalecendo a confiança dos membros e da comunidade.

Além disso, a conformidade legal protege pastores, dirigentes e responsáveis legais da igreja contra possíveis responsabilizações civis e criminais decorrentes de acidentes ou fiscalizações.

Igrejas regularizadas também encontram menos obstáculos para contratar seguros, especialmente contra incêndio, o que amplia a proteção do patrimônio e das vidas.

Por fim, estar em dia com os alvarás evita interdições repentinas, constrangimentos e interrupções das atividades ministeriais. Regularidade não é burocracia: é zelo, prudência e testemunho.

O Papel da Zeke

Na Zeke Gestão de Igrejas, entendemos que administrar uma igreja vai muito além de números e sistemas.

Caminhamos lado a lado com as igrejas para que estejam em dia com o fisco e com as exigências legais, incluindo os alvarás municipais e demais regularizações necessárias.

Temos como propósito aliviar o peso da burocracia para que líderes e ministérios possam se dedicar ao que realmente importa: cuidar de pessoas, ensinar a Palavra e servir à comunidade com excelência e tranquilidade.

Trabalhamos para oferecer segurança jurídica, organização e clareza, sempre com respeito à missão espiritual de cada igreja.

E no nosso propósito, acreditamos que a boa administração também honra a Deus. Afinal, como nos ensina a Escritura Sagrada:

“Tudo seja feito com decência e ordem”
1 Coríntios 14:40

Cuidar bem da igreja, inclusive em sua gestão, é uma forma concreta de zelar pelo testemunho e pela continuidade da obra.

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